segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Pluralidade cultural um espaço para desenvolvimento interdisciplinar


“o filme não está a iluminar a bibliografia selecionada, ao mesmo tempo que não isolamos a obra de se seu contexto, pois partimos das perguntas postas pela obra para interrogá-lo” (MORETTIN, in: CAPELATO [et. al.], 2007, p. 63). Ou seja, permitir que o filme seja alçado ao primeiro plano, pois o sentido emerge de sua estrutura. Caso não atentemos para essas questões,

Se não conseguirmos identificar, através da análise fílmica, o discurso que a obra cinematográfica constrói sobre a sociedade na qual se insere, apontando para suas ambigüidades, incertezas e tensões, o cinema perde a sua efetiva dimensão de fonte histórica. (Ibidem, p. 64).




NARRADORES DE JAVE, UMA REALIDADE BRASILEIRA



O filme, Narradores de Javé direção de Eliane Caffé, mostra de forma alegre e despojada um drama brasileiro, que nessa história se passa num povoado ribeirinho no sertão baiano, mas que poderia acontecer em qualquer ponto de norte a sul, de leste a oeste desse país continental. Traz um relato do destino de uma cidade que tem sua população expulsa de suas casas pelas águas de uma barragem. Desoladas e vencidas, mais pela consciência da própria ignorância do que pelos avanços do progresso, partem com a certeza de que dessa vez precisam contar a história de suas vidas de forma diferente.

Javé é uma cidade perdida, no meio do nada, são velhas casas de madeira e barro, que se acotovelam lado a lado ao longo do rio, numa contemplação lânguida da vida que passa tão calma quanta essas águas. Sua população, na maioria adulta e analfabeta, nascida e criada na lida da lavoura e da pesca, conta as histórias da fundação da cidade conforme o que ouviram dos pais, e dos pais de seus pais.

A primeira cena do filme é num bar, também numa região ribeirinha, onde uma senhora aparentando sessenta anos ou mais, fica no balcão lendo um livro e sofre a crítica do filho (Matheus Nachetergaele) que lhe chama a atenção, observando com desdém que “depois de velha aprendeu a ler”, numa visível referência da inutilidade desse aprendizado. Esse é o ponto usado pela diretora Eliane Caffé para tornar a história de Javé algo muito importante para ser ouvido e analisado para que esses destinos não venham a se repetir. A narrativa de Zaqueu antigo morador de Javé, interpretado por Nelson Xavier, parte do princípio de que aprender a ler e escrever não é inútil como pode pensar aquele jovem, pois o destino de Javé foi desaparecer sob as águas porque seu povo era essencialmente analfabeto, não possuíam registro nenhum da sua história, contavam em prosa e verso os grandes feitos de seus antepassados mas não passavam de um “bando de analfabetos”, cujo destino foi colocado nas mãos da única pessoa que sabia ler e escrever e que em outro momento demonstrara falta de caráter, quando para movimentar a única agência de correios da região e manter seu emprego, escrevera uma série de cartas contando histórias mentirosas dos moradores da cidade.

Descoberto, foi expulso da cidade, indo morar há alguns quilômetros dali. Agora uma barragem seria construída e para que todo o vale não fosse inundado era preciso que tivessem algo de patrimônio que justificasse a manutenção da cidade, em detrimento ao empreendimento que traria benefícios para toda a região. A população conclui que a única coisa que possuem de valor patrimonial é a própria história da fundação da cidade. Mas é preciso muito mais que contar, é preciso escrever, documentar cientificamente. Buscam então Pedro Biá, personagem muito bem interpretado por José Dumont, o maior desafeto da população javenense torna-se o reduto de esperança de sobrevivência daquelas terras. Confiam a ele a missão de registrar como um dossiê todos os relatos que estão nas mentes dos moradores.

Desenrola-se a partir daí uma peregrinação de Biá pelas casas ouvindo as histórias de Indalécio e Maria Dina fundadores da cidade, mas cada morador conta do seu jeito, conforme seu entendimento e interesse. Inclusive na população quilombola, localizada junto às terras de Javé, a versão dos fatos toma formato da cultura africana, num testemunho de que não tendo nada escrito, nada registrado, as versões podem se modificar de acordo com a cultura do povo que a relata.

O personagem de José Dumont demonstra domínio de leitura e suas manifestações orais são impregnadas de ditos populares, comparativos jocosos e frases de efeito, colocando-se numa posição de superioridade com relação aos demais. Quando ouve determinada história cria sua própria versão dos fatos poetizando ou dramatizando referindo-se que “uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito, o escrito tem que ser melhorado para dar vida ao acontecido”, mas na verdade suas versões bem como as originais não vão para o papel.

Podemos inferir que o domínio de escrita de Pedro Biá não estava no mesmo nível de sua oralidade, de sua capacidade de criar e narrar. Essa situação é muito comum mesmo entre realidades mais próximas a nós, pois muitas vezes conseguimos nos expressar fluentemente, mas colocar essas idéias no papel, dentro da prerrogativa da norma padrão de escrita, torna-se bastante difícil e muitas vezes, como no caso que estamos analisando, impossível.

O cinema brasileiro com Central do Brasil (Walter Salles-1998) onde em outro formado é retratado também a figura do letrado, dominando leitura e escrita, conduzindo os destinos dos analfabetos e iletrados, em Narradores de Javé (Eliane Caffé-2003) com Pedro Biá responsável pelos destinos de uma cidade inteira, e outros filmes que retratam de alguma forma essa realidade educacional, tem nos dado boas contribuições, para que possamos traçar alguns paralelos entre a situação de letramento do povo brasileiro e as questões político sociais, onde a educação sofre os reveses das políticas partidárias, dos programas de alfabetização em massa, que colocam o país num cenário de educação muitas vezes fora da realidade.

É possível fazermos uma analogia do Brasil, onde Pedro Biá é a elite dominante e o povo de Javé a população brasileira afastada dos bancos escolares, iludidas pelos programas que alfabetizam apenas para o voto, não o voto consciente oriundo de um saber, de um questionar e cobrar, mas o voto revertido somente em números, o voto de quem sabe escrever seu nome e identificar o nome do candidato.

Narradores de Javé é um filme de 2003, atual na sua produção, atual na sua história. Pouco divulgado porque não tem apelo comercial e não tem esse apelo porque conta uma história que se repete, pois a cada dia outros Javés são inundados pelo descaso e ignorância, outros Biás, envolvem, convencem, mas nada fazem de concreto e outros Zaqueus sobrevivem para contar a história e lamentar o destino.



REFERÊNCIAS
Filme Narradores de Javé – 2003 – Direção de Eliane Caffé, José Dumont e Nelson Xavier
Filme Central do Brasil – 1998 – Direção de Walter Salles, com

Conclusão pessoal:

O filme tem como tema principal a narração, tendo como alicerce as pluralidades orais das personagens.


Mostra um Brasil de todos os brasileiros, dando voz as etnias, religiões e classes excluídas... e que todos nós somos narradores de uma história sem fim...nos permitindo questionar os modelos de interpretação da história e as visões lineares que se apoiam em uma linha evolutiva do desenvolvimento humano,marcada por sucessões de fatos que se encaixam nos modelos escolhidos, apagando conflitos, temores, esperanças e motivações de homens e mulheres.

É nesse sentido que o filme me chama atenção afinal mostra um recurso didático importante para as discussões sobre os sentidos da história e os caminhos da construção do conhecimento histórico.

Os diálogos que estabelecemos com ele, voltados não só para o seu conteúdo específico, como também para as relações entre história e memória.

Particularmente consigo fazer uma ligação com o que temos visto na historia da educação penso nas memórias do período da ditadura militar como de fato foi vivida e como chegamos aos registros.

Enquanto os historiadores estão interessados em reconstruir o passado,os narradores estão interessados em projetar uma imagem.
Portanto, enquanto os historiadores muitas vezes se esforçam por ter uma.
Sequencia linear, cronológica, os narradores podem estar mais interessados em buscar e reunir conjuntos de sentidos, de relacionamentos e de temas, no transcorrer de sua vida com objetivos muitas vezes diferenciados e ou não esperados.
Essa questão a pluralidade de visões que correspondem às contradições reais da vida cotidiana, cabe ao historiador interpretar as reconstruções dos sentidos do passado, colocando-se também como sujeito nesse processo. Isso nos ajuda a compreender o mundo em que vivemos, os problemas enfrentados por muitos nesse nosso tempo, que também são os nossos, assumindo que a história que escrevemos é, antes de tudo, política talvez motivo esse que me levou a rever e repensar na historia da educação.
Lembrando mais uma vez que todos nós  somos narradores de uma história sem fim...

Prof. Rosane Aparecida Ribeiro



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